BNDES decide abandonar a política de criação de ‘campeãs nacionais’

Em entrevista ao �Estado�, Luciano Coutinho, presidente do banco, afirma que o n�mero de setores com potencial de desenvolver l�deres globais � �limitado� e que essa agenda foi conclu�da

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES) abandonou a controvertida pol�tica de cria��o de "campe�s nacionais". A informa��o � do presidente da institui��o, Luciano Coutinho, que n�o concorda com o uso desse termo. "A promo��o da competitividade de grandes empresas de express�o internacional � uma agenda que foi conclu�da", disse Coutinho, em entrevista exclusiva na sexta-feira, na sede do BNDES em S�o Paulo.

Ele afirma que a pol�tica tinha "m�ritos" e chegou "at� onde podia ir", porque o n�mero de setores em que o Pa�s tem potencial para projetar empresas l�deres � "limitado". O economista citou os segmentos de petroqu�mica, celulose, frigor�ficos, siderurgia, suco de laranja e cimento. "N�o enxergo outros com o mesmo potencial", frisou. Segundo ele, o BNDESPar, bra�o de investimentos do banco em empresas, est� focado em setores inovadores, como tecnologia da informa��o, farmac�utico e bens de capital.

O incentivo �s "campe�s nacionais" come�ou h� seis anos, no governo Lula, quando Coutinho j� ocupava o cargo de presidente do BNDES. Com empr�stimos em condi��es generosas e compras de participa��o, o banco injetou cerca de R$ 18 bilh�es nos frigor�ficos JBS e Marfrig, na L�cteos Brasil (LBR), na Oi e na Fibria, conforme levantamento feito pelo Estado. Algumas dessas empresas est�o em situa��o financeira delicada, como a LBR, que pediu recupera��o judicial, e o Marfrig.

Ele afirmou que "poucas institui��es s�o t�o transparentes quanto o BNDES" e garantiu que divulga todas as opera��es, respeitando o sigilo banc�rio. Por isso, n�o comentou a exposi��o do banco �s empresas de Eike Batista, que sofrem uma crise de confian�a. Disse apenas que est� "tranquilo".

Coutinho estima que a taxa de investimento vai chegar a 20% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014, �ltimo ano do mandato da presidente Dilma Rousseff. O indicador ainda estaria distante dos 25% considerados ideais para um crescimento sustent�vel, mas significaria a "retomada dos investimentos". A seguir, os principais trechos da entrevista:

A alta de juros promovida pelo Banco Central pode desestimular os investimentos?
Luciano Coutinho - A estabilidade � a m�e de toda a virtude em qualquer economia, especialmente a brasileira. O movimento do BC foi adequado, porque sinalizou a inten��o de n�o permitir o descontrole inflacion�rio. Isso � positivo para o crescimento do Pa�s. � preciso entender que as decis�es de investimento t�m um per�odo m�dio de matura��o de 18 meses - em alguns casos, chega a 4 ou 5 anos. Nesse sentido, � positivo manter a infla��o sob controle. At� porque n�o � necess�rio produzir uma recess�o para coordenar as expectativas de infla��o.

Qual � a sua percep��o sobre os investimentos no primeiro trimestre?
Luciano Coutinho - A recupera��o dos investimentos parece ter sido muito forte em janeiro e fevereiro. Ainda n�o temos os dados de mar�o, mas os indicadores preliminares s�o de que o impulso se manteve. A expectativa de todos os analistas qualificados � de aumento do investimento no primeiro trimestre entre 4,5% e 9%. Parte disso se deve a fatores sazonais, como as vendas de m�quinas agr�colas e caminh�es, mas, mesmo descontando esses impactos, os nossos n�meros mostram que h� uma recupera��o do investimento industrial. O investimento vai crescer pelo menos 5% este ano.

E em 2014? Qual deve ser a taxa de investimento do fim do governo Dilma?
Luciano Coutinho - A tend�ncia do investimento � acelerar no ano que vem, porque o programa de concess�es tende a ter os efeitos concentrados em 2014 e 2015. Acredito que o investimento pode crescer 8% em 2014, o que levaria a uma taxa de 20% do PIB.

Mas ainda n�o � uma taxa capaz de garantir um crescimento sustent�vel.
Luciano Coutinho - N�o �. Mas devemos lembrar que o investimento estava caminhando para 20% do PIB em 2008, quando o Lehman Brothers quebrou. A economia mundial est� em crise desde 2009. Em 2010, houve um forte esfor�o de recupera��o, puxado pelos pa�ses em desenvolvimento, mas os pa�ses desenvolvidos continuaram em crise, que recrudesceu na Europa. O Brasil est� retomando uma trajet�ria virtuosa em que o crescimento volta a ser liderado pelos investimentos.

Qual � a sua expectativa para o crescimento do PIB em 2013 e 2014?
Luciano Coutinho - No ano que vem, o PIB pode crescer tranquilamente 4,5%. Para este ano, no m�nimo 3%, podendo ser 3,5%.

O IBGE est� estudando mudan�as na metodologia do c�lculo do PIB. Na sua opini�o, os investimentos e o crescimento est�o subestimados no Brasil?
Luciano Coutinho - Sim. A metodologia avan�ou muito nos Estados Unidos e na Europa e n�s est�vamos relativamente defasados. Hoje sabemos que uma parcela significativa do investimento empresarial � para tecnologia da informa��o. �s vezes, isso � contabilizado como investimento, mas �s vezes como servi�o ou leasing. Acredito que o IBGE j� se moveu para fazer um ajuste nesse campo, mas h� outras �reas em que uma avalia��o metodol�gica deve ser efetuada.

Quais?
Luciano Coutinho - No Brasil, o peso da compra de m�quinas e equipamentos � muito forte nos investimentos, o que destoa um pouco das m�dias internacionais. N�o tenho certeza se todos os investimentos em constru��o s�o corretamente capturados pela metodologia. Existem muitos investimentos em constru��o de pequena escala. Mas n�o quero me estender nessas considera��es porque tenho um enorme respeito ao IBGE, e essa � uma quest�o totalmente t�cnica.

Uma mudan�a no c�lculo do PIB pode gerar desconfian�a em rela��o aos dados, como ocorre na Argentina?
Luciano Coutinho - Acredito que n�o. O Pa�s j� est� numa fase de maturidade em que n�o vai acreditar que os investimentos aumentaram por causa de uma mudan�a de metodologia. Se o investimento melhorar, a tend�ncia vai aparecer em qualquer patamar.

O senhor est� satisfeito com o atual n�vel do c�mbio?
Luciano Coutinho - Atrav�s de um conjunto de medidas, o Banco Central inverteu uma trajet�ria de aprecia��o do c�mbio, que era muito preocupante. Foi feito um ajuste no c�mbio, que melhorou a competitividade. Mas foi feito com cautela e hoje chegamos a um patamar que � compat�vel com a manuten��o da estabilidade. Alguns formadores de pre�o estavam querendo projetar um c�mbio de R$ 2,20 a R$ 2,25, que poderia ter efeitos desestabilizadores sobre a infla��o.

O BNDES vai precisar de uma capitaliza��o no segundo semestre?
Luciano Coutinho - O banco tem um n�vel capitaliza��o bastante confort�vel: 15,4%. Em rela��o ao �ndice de Basileia, estamos folgados. Considerando o aumento da demanda por infraestrutura, a base de capital ter� de ser refor�ada. Mas quero sublinhar que o BNDES gera lucro suficiente para a sua capitaliza��o. Temos ajudado o Tesouro Nacional a suportar o super�vit prim�rio, pagando dividendos. O entendimento � que o Tesouro nos forne�a capital nos momentos em que isso se torna necess�rio. Mas essa n�o � uma quest�o urgente.

O BNDESPar teve queda no lucro de 93%. As apostas foram equivocadas?
Luciano Coutinho - O ano passado foi ruim para todo o mercado de capitais. Mas o BNDESPar teve bom resultado, se n�o consideramos a necessidade de registrar a pre�os de mercado as a��es nas empresas em que possui mais de 20% de capital. Tivemos perda de valor das a��es da Eletrobr�s. Quero ressaltar que isso afeta o patrim�nio, mas n�o � perda de caixa. S� seria se vend�ssemos as a��es. O fato de n�o registrar essa perda do BNDESPar no BNDES, para n�o afetar o balan�o do banco, criou toda essa celeuma. N�o foi um efeito financeiro efetivo, mas o que chamamos de marca��o a mercado, que pode ser revertida no futuro, � medida que a Eletrobr�s se recuperar. E vamos ajudar com o que estiver ao nosso alcance.

Mas isso levou a Moody�s a rebaixar a classifica��o de risco do BNDES. Vai prejudicar as capta��es externas do banco?
Luciano Coutinho - Essa classificadora de risco concedia um rating ao BNDES maior que o rating da Rep�blica e corrigiu. As outras classificadoras mantiveram os ratings iguais. Nas nossas emiss�es, a refer�ncia s�o os pap�is do Tesouro, e sempre pagamos um pouquinho a mais. Era inconsistente um rating superior. O BNDES continua mantendo uma posi��o favor�vel em rela��o a outros emissores, que n�o vou nominar. Temos um balan�o s�lido e com bom retorno para os acionistas.

O BNDES est� abandonando a pol�tica de campe�s nacionais?
Luciano Coutinho - � preciso corrigir esse termo. A promo��o da competitividade de grandes empresas de express�o internacional � uma agenda que foi conclu�da. � uma pol�tica que tinha m�ritos e chegou at� onde poderia ir. At� porque o n�mero de setores em que o Brasil tem competitividade para projetar empresas eficientes no cen�rio internacional � relativamente limitado a commodities e algumas pseudocommodities. E j� fizemos isso nesses setores: petroqu�mica, celulose, frigor�ficos, parte da siderurgia, suco de laranja, cimento. N�o enxergo outros setores com o mesmo potencial. Nos �ltimos anos, o BNDESPar tem se concentrado no fomento a novas empresas em setores intensivos em inova��o tecnol�gica. Vejo um potencial interessante no complexo sa�de e no setor farmac�utico. H� v�rios anos, o BNDESPar j� vem trabalhando na �rea de tecnologia da informa��o. Tamb�m h� iniciativas importantes nas empresas supridoras de bens de capital. Essa agenda combina desenvolvimento e inova��o e � a t�nica da pol�tica que vem sendo praticada nos �ltimos anos.

A pol�tica de cria��o de multinacionais decepcionou?
Luciano Coutinho - N�o. � claro que temos de amadurecer os resultados em alguns segmentos. A concorr�ncia � global e muito forte. O nosso potencial poss�vel foi realizado. Foi bem-sucedido em todos os setores? � uma resposta para o futuro, porque o jogo continua. N�o posso dizer que consegui e me deitar sobre os louros. Constru�mos as bases e agora vamos acompanhar.

O governo est� se preparando para divulgar o custo dos subs�dios dos empr�stimos do Tesouro ao BNDES. O senhor pode antecipar os valores?
Luciano Coutinho - N�o quero adiantar, porque ainda n�o li o trabalho t�cnico. O Minist�rio da Fazenda, respondendo ao TCU (Tribunal de Contas da Uni�o), produziu uma metodologia de c�lculo. Ainda n�o fizemos uma an�lise t�cnica, mas tenho confian�a de que � consistente. Eu queria chamar a aten��o para os benef�cios dos empr�stimos do BNDES. Olhar s� os custos � uma avalia��o enviesada. Ao estimular os investimentos, os empr�stimos do BNDES geram impostos, emprego, renda e elevam a produtividade da economia. Temos estudos sobre os efeitos positivos e os divulgaremos oportunamente.

Qual � o tamanho da exposi��o do BNDES ao grupo de Eike Batista?
Luciano Coutinho - O BNDES est� tranquilo em rela��o ao grupo EBX. N�o gostaria de fazer coment�rios adicionais.

O banco � criticado por ser pouco transparente. Como o senhor reage?
Luciano Coutinho - Poucas institui��es t�m tanta transpar�ncia como o BNDES. N�s publicamos todas as nossas opera��es, de cr�dito ou de mercado de capitais. Recentemente tornamos nosso site ainda mais amig�vel a consultas. Consideramos que informar a opini�o p�blica � um dever do servidor p�blico e buscamos responder, preservado o sigilo banc�rio das empresas.

Por Raquel Landim, Ricardo Leopoldo e Irany Tereza - O Estado de S.Paulo