Incompetência e ideologia do governo travam a economia, diz economista

Jos� Alexandre Scheinkman, um dos mais respeitados economistas brasileiros, concorda com o diagn�stico de um amigo seu: a incompet�ncia explica tanto parte das a��es equivocadas quanto a falta de atitudes importantes por parte do governo.

Esse problema, somado � ideologia das administra��es recentes contr�ria a reformas que poderiam aumentar a baixa efici�ncia da economia, ajuda a compreender as causas da desacelera��o da atividade no pa�s, segundo ele.

Scheinkman, que vive nos EUA e vir� ao Brasil nesta semana para participar de semin�rio do Insper sobre produtividade, falou � Folha na sexta-feira por telefone.

O economista, dono de vasta produ��o acad�mica, deixar� em setembro a Universidade de Princeton, onde se tornar� professor em�rito, rumo � Universidade Columbia.


Folha - Que fatores t�m se mostrado mais importantes para aumentar a produtividade do trabalho?

Jos� Alexandre Scheinkman - Todos os fatores t�m import�ncia, mas a evid�ncia mostra um papel muito importante da educa��o. Para cada ano a mais de educa��o, a produtividade do trabalhador aumenta muito.

Obviamente, um trabalhador com mais capital � sua disposi��o tamb�m vai produzir mais. Mas h� menos varia��o de capital por trabalhador entre os pa�ses do que de quantidade de educa��o.

Tamb�m sabemos que a qualidade da educa��o importa, mas temos dificuldade de medir essa qualidade.

A sa�de tamb�m � muito importante. Nos pa�ses que t�m melhores indicadores de sa�de, os trabalhadores s�o mais produtivos.

H� outro aspecto da produtividade que n�o conseguimos explicar pela quantidade de fatores.

Se voc� pega duas firmas da mesma ind�stria, usando trabalhadores com o mesmo n�vel de educa��o e o mesmo tipo de capital, essas empresas produzem quantidades diferentes.

Isso � explicado pela efici�ncia no uso dos fatores, a chamada produtividade total dos fatores?

Exatamente. H� hoje muita aten��o nos EUA para tentar entender quais s�o os fatores que tornam as empresas mais produtivas.

Como a efici�ncia da economia brasileira tem evolu�do?

A produtividade total dos fatores, que pode ser traduzida como grau de efici�ncia, est� estagnada ao menos desde 1989 para a economia como um todo. Mas h� setores da economia brasileira que tiveram grandes ganhos de efici�ncia. Um � a agricultura.

Obviamente h� fatores que influenciam todos os setores e toda a economia. Mas, para entender a efici�ncia, � importante olhar o que est� acontecendo com cada setor e com as firmas de cada setor.

Um fen�meno interessante brasileiro � a exist�ncia de empresas pequenas que muitas vezes s�o informais, muito ineficientes e s� sobrevivem por n�o pagar impostos. Elas trazem a produtividade m�dia do setor em que atuam para baixo.

Mas a informalidade entre as empresas menores diminuiu.

Sim, e essas empresas melhoram ao se tornar formais. Mas, como h� um tamanho m�ximo de faturamento para ficar dentro das faixas de tributa��o no Brasil, h� um desest�mulo na busca por crescimento por parte dessas empresas e isso prejudica a efici�ncia da economia.

O ideal seria diminuir os impostos para as firmas maiores e traz�-las mais perto das outras.

Quais s�o as outras causas da baixa efici�ncia da economia brasileira?

H� os casos de prote��o setorial. As pessoas esquecem que a pol�tica setorial dificulta a vida das ind�strias que usam o insumo do setor protegido. Elas acabam n�o podendo se tornar t�o eficientes quanto as de pa�ses que t�m acesso ao mesmo insumo a pre�o relativamente menor.

A outra quest�o importante � o investimento em pesquisa e desenvolvimento. O Brasil tem uma estrutura cient�fica bastante razo�vel se olharmos os n�meros de doutorandos, as publica��es em revistas cient�ficas. Ainda n�o conseguimos criar uma estrutura de produ��o de pesquisa e desenvolvimento.

Esse assunto j� foi muito bem estudado pelos economistas. A taxa de retorno, ou seja, o aumento de produtividade gerado pelo investimento nessa �rea, � enorme. E isso ocorre porque quem investe em pesquisa e desenvolvimento e recebe o retorno n�o � a �nica pessoa a lucrar.

Boa parte dos ganhos vai para outras empresas, concorrentes, outros setores que come�am a se beneficiar da tecnologia desenvolvida.

At� a absor��o da tecnologia vinda de fora em um pa�s onde voc� j� tem toda uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento � maior. E os governos t�m papel fundamental no investimento em pesquisa e desenvolvimento.

Se h� tanta evid�ncia desses benef�cios, por que n�o se investe mais em pesquisa e desenvolvimento no Brasil?

Um amigo meu diz --e eu concordo-- que um dos grandes problemas do governo brasileiro � a incompet�ncia. Eu n�o consigo explicar isso por malevol�ncia, por um pensamento de que o governo quer um pa�s atrasado.

�s vezes as pol�ticas s�o extremamente prejudiciais ao pa�s por incompet�ncia --por exemplo, quando o governo controla o pre�o da gasolina. Isso levou ao aumento do congestionamento e da polui��o e prejudicou uma das poucas tecnologias importantes criadas no Brasil, a da ind�stria do etanol.

N�o imagino que o governo decidiu gerar essas consequ�ncias. Mas algu�m teve a brilhante ideia de, entre aspas, controlar a infla��o mantendo o pre�o da gasolina est�vel e n�o pensou nas consequ�ncias.

H� uma estagna��o no processo de reformas importantes para o desenvolvimento econ�mico no Brasil?

As reformas come�am no in�cio do governo Collor com a abertura comercial. Depois houve um per�odo de paralisia. E voltaram a acontecer com Itamar, o Plano Real. Em seguida, outras reformas importantes foram feitas. Esse processo foi freado a partir do segundo governo Lula.

H� seis, sete anos poucas coisas importantes est�o sendo feitas. O governo tem se concentrado muito mais em pol�ticas industriais, em intervir nos pre�os, em diminuir impostos setoriais e menos em resolver as grandes quest�es que poderiam melhorar a efici�ncia no Brasil, como as que eu j� mencionei, e outras, como o investimento em infraestrutura.

Essa letargia tem a ver com a quest�o da compet�ncia que o sr. mencionou?

H� uma quest�o tamb�m de ideologia. H� reformas que precisavam ser feitas, mas que n�o atendiam � ideologia do governo. Acho que agora o governo entendeu que precisa trazer mais investimento privado para �reas como ferrovias, portos etc.

Outro problema importante � a baixa taxa de poupan�a. Ent�o, o governo cobra muito imposto, mas tem gastos enormes e pouca capacidade financeira para investir, al�m da falta de capacidade que eu j� mencionei de compet�ncia do setor p�blico.

Esses fatores explicam a desacelera��o econ�mica dos �ltimos anos?

Acho que h� v�rias causas. Em 2008 e em 2009 a resposta � crise com pol�tica fiscal mais solta fazia sentido. O que n�o fez sentido foi achar que isso poderia ser permanente mesmo depois de a economia ter come�ado a se recuperar.

A outra � o excesso de interven��o, como o controle do pre�o da gasolina. Cada uma dessas interven��es, de forma isolada, pode passar a impress�o de que seus efeitos n�o s�o t�o graves, mas, se voc� junta todas, come�a a ter efeito na economia. E isso � parte do que estamos vendo agora.

Al�m disso, tamb�m estamos sentindo o efeito da desacelera��o da China, que, no entanto, n�o deve ser exagerado.

Por �rica Fraga - Folha de S.Paulo