Miséria ainda é realidade dez anos após o lançamento do Fome Zero

Gr�vida de seis meses de um menino cujo nome ela ainda n�o escolheu, a desempregada Alessandra Cardoso Oliveira, 31 anos, n�o esconde a saudade quando olha, num recorte de jornal, uma fotografia publicada nos principais jornais do pa�s em janeiro de 2003. A imagem completar� 10 anos, na quinta-feira, e mostra quatro pessoas na janela de um casebre em Itinga, no Vale do Jequitinhonha, a 650 quil�metros de Belo Horizonte: o ent�o presidente da Rep�blica, Luiz In�cio Lula da Silva; o governador de Minas Gerais � �poca, A�cio Neves; dona Rosalina e a pequena J�ssica.

As duas �ltimas, respectivamente, s�o m�e e filha de Alessandra. "CLembro-me que uma van parou logo ali, Lula e A�cio desceram e entraram em nossa casa. O presidente disse que a vida de todos iria melhorar. Mam�e, infelizmente, n�o teve tempo de esperar. Ela morreu, no dezembro seguinte, de c�ncer. J� minha filhinha... Ela tinha 4 aninhos e, dois anos depois, decidi entreg�-la a um tio, que a cria numa cidade perto de Belo Horizonte. N�o tenho o endere�o. Ele a traz em Itinga no fim de cada ano, mas n�o apareceram em 2012. Apesar da saudade, acho que J�ssica ter� melhor futuro longe daqui."

Lula foi a Itinga, acompanhado de A�cio e 29 ministros, para lan�ar o programa Fome Zero, substitu�do pelo Bolsa Fam�lia. O ex-presidente levou o primeiro escal�o do governo para mostrar aos auxiliares a realidade de uma das cidades mais pobres do Brasil. A Caravana da Fome, como ficou conhecida a viagem, passou ainda pela favela de palafitas Bras�lia Teimosa, no Recife (PE), e pela vila Irm� Dulce, em Teresina (PI). Em todos os lugares, o ent�o presidente garantiu que n�o mediria esfor�os para melhorar o pa�s.

A promessa foi parcialmente cumprida. Nos 10 anos do governo do PT, o desemprego diminuiu e o poder aquisitivo dos brasileiros aumentou, mas os avan�os n�o chegaram como deveriam a todos os lugares. Em Itinga, com 14,5 mil moradores, o desemprego continua alto e a renda permanece baixa. Para se ter ideia, segundo o �ltimo �ndice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS), divulgado pela Funda��o Jo�o Pinheiro (FJP) em 2010, a cidade era a pior para se viver no estado. Na �poca, a prefeitura contestou o estudo.

Em outra pesquisa da FJP, que leva em conta a renda per capita, Itinga ocupou a posi��o 812 entre os 853 munic�pios mineiros R$ 314,81 por habitante. A situa��o s� n�o foi pior por causa do Bolsa Fam�lia: 2.367 fam�lias recebem o benef�cio (R$ 2,7 milh�es em 2012). Alessandra, por exemplo, tem direito a R$ 102 mensais. � a �nica fonte de receita fixa da fam�lia. Ela e o marido, Reinaldo Silva, est�o desempregados. "H� dois anos que s� fa�o bico", lamentou o rapaz. A transfer�ncia de renda � garantida pela assiduidade do filho do casal, Ravier, 9 anos, � escola.

Alessandra se recorda que, assim como agora, estava gr�vida quando recebeu Lula e A�cio em casa: "Ravier nasceu em junho de 2003. Menino bom. Deseja ser juiz quando crescer". Torcedor do Cruzeiro e do Corinthians, o garoto precisa percorrer a rua de terra em que mora para ir � escola. Quando estiveram na casa de Sandra, o ex-presidente e o ex-governador tamb�m enfrentaram a poeira. A diferen�a, de l� para c�, � que agora h� um filete de esgoto a c�u aberto.

Na mesma rua, mora o casal �dson Oliveira, 23 anos, e Elis�ngela Teixeira, 25. Eles t�m um filho, Carlos Eduardo, de 9 meses. Desempregados, os pais tentam receber o Bolsa Fam�lia. "Moramos de favor nessa casa. Nossos pais � que nos ajudam. Penso em ir tentar a vida em outro lugar", planeja o jovem, que cria galinhas e um porco que, segundo ele, vai para o forno em breve.

Prato s� tem arroz e feij�o

Dona Teresa Fernandes Pessoa, 55, � benefici�ria do Bolsa Fam�lia (R$ 140), sua �nica fonte de renda. Ela recebeu Lula em seu barraco de dois c�modos, em 1993, na Caravana da Cidadania, projeto que reconstituiu a viagem do ex-presidente, quando menino e ao lado da m�e e de outros irm�os, num caminh�o pau-de-arara, de Garanhuns (PE) a S�o Paulo.

Lula se emocionou ao saber que dona Tereza e os filhos (ela teve 12 crian�as) tinha apenas farinha para comer. A vida melhorou um pouco. Hoje, al�m da farinha, tem arroz e feij�o. Salada, por�m, n�o como h� anos. Carne, ent�o, s� quando ganho algum pouco de um vizinho ou parente. O governo federal e o estadual nos ajudam. A Cemig (companhia energ�tica de Minas) levou minha geladeira velha embora e me deu essa nova h� mais ou menos dois anos, quando a energia el�trica chegou em minha casa. J� o banheiro foi constru�do h� cinco anos. Antes, precisava ir ao mato. O banho era no rio. Agora est� um pouco melhor, mas emprego que � bom...

A maior empregadora do lugarejo � a prefeitura, cerca de 600 pessoas. Os sal�rios delas representam 50% do or�amento, calcula o secret�rio de Governo do munic�pio, Marcos Elias, acrescentando que, volta e meia, uma pessoa bate � porta da administra��o � procura de trabalho. A estiagem atual trouxe muita gente da �rea rural para a sede da cidade, disse.

Fonte: Correio Braziliense